Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21/6/1905 — Paris, 15/4/1980), filósofo francês, escritor e crítico, foi um dos ícones mais representativos da corrente filosófica denominada “existencialismo”.
“Ninguém deve cometer a mesma tolice duas vezes. A possibilidade de escolha é muito grande.” Jean-Paul Sartre
Sartre fez inúmeras tentativas para deixar de fumar, e de certa forma, buscou através de sua própria corrente de pensamento – o existencialismo – desenvolver um método para deixar de fumar individualmente, focando na sua própria experiência com o tabaco.
Caminhando nestes trilhos, parar de fumar é como se fosse um processo de “auto-descoberta”, um processo de reaprendizagem socioambiental para “reaprender a funcionar socialmente, biologicamente, psiquicamente, espiritualmente sem o cigarro” e isto, nós terapeutas todos sabemos que não é um processo fácil, é preciso construir habilidades para enfrentamentos que serão inevitáveis com situações do cotidiano, notadamente o estresse.
O famoso escritor, após muitas tentativas, conseguiu certa vez parar de fumar, e como todo filósofo que se preza apresentou um postulado teórico sobre o tema:
“O ato de fumar é uma apropriação: da fumaça, do ar, de algo imaterial. Não uma apropriação burguesa de um determinado objeto, mas a apropriação do próprio “eu”, do ser que fuma”.
Uma vez consolidando esta apropriação, o filósofo considerou (e parece que, neste caso, estava equivocado) que seria fácil abandonar os cigarros. Para Sartre, esta “apropriação simbólica” seria transferida para outros fatos do cotidiano, como o sabor dos alimentos, o bem-estar físico, o prazer de escrever. Sobre a solidão e o tédio, muitas vezes relatados pelos tabagistas como fatores que levam a buscar a companhia do cigarro, Sartre escreveu:
“Se você sente tédio enquanto está sozinho, é porque está em péssima companhia.”
E esta abstração de Sartre, do ponto de vista da abordagem ao fumante, tem a ver, de fato, com os mecanismos envolvidos com o uso ou a supressão da nicotina no sistema de recompensa cerebral, como conhecemos hoje na neurobiologia da nicotina. Em outra citação simbólica, Sartre diz:
“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos.”
Em nossos aconselhamentos chamamos atenção para a natural busca que o fumante faz por outros mecanismos e estímulos gratificantes, que podem tanto ajudá-lo a manter-se abstinente, quanto a se tornar um poderoso gatilho para voltar a fumar, como p.ex., o ganho de peso, com a gratificação pelo consumo de alimentos calórico, ao invés de tentar controlar o inevitável ganho ponderal (estimado de 2-5 kg) ingerindo alimentos de baixa caloria e praticando exercícios.
Como a grande maioria dos fumantes que interrompem o fumo, Sartre recaiu – faz parte do processo de mudança –, voltando a fumar no padrão habitual, e chegou à “idade da maturação” (em analogia a seu famoso livro “A idade da razão”), ainda fumante, com diversos problemas cardio-circulatórios, especialmente doença vascular periférica.
Para a companheira de lutas e de vida de Sartre, a escritora e filosofa Simone de Beauvoir:
“Todas as vitórias ocultam uma renúncia.”
O médico de Sartre então lhe disse: “Se você não parar de fumar, infelizmente terá que em breve que amputar os dedos dos pés, depois os pés, e por fim as pernas”. Atemorizado, Sartre então decidiu parar de fumar. Mas, a despeito de seus esforços, ele não conseguiu parar. Em outra citação sobre coragem e medo, ele diz:
“Todos os homens tem medo, quem não tem medo não é normal; e isso não tem na a ver com coragem,”
Na época, o autor de “Náusea” foi procurado por um jornalista americano, que lhe indagou o que mais importava em sua vida naquele momento mais. “Não sei. Tudo, Viver, Fumar.”, respondeu Sartre. Nós terapeutas também fazemos este tipo de pergunta para o fumante, do quanto ele se sente pronto para deixar de fumar, que importância dá a esta decisão em sua vida e que confiança ele tem que irá conseguir manter-se abstinente. A isto chamamos auto-eficácia. O nosso filósofo existencialista provavelmente tinha uma baixa auto-eficácia para manejar a sua “crise existencial” com o tabaco.
Decerto a ambivalência do filósofo era muito forte. Fumar se confunde não só com o morrer, mas também com o viver, para alguns fumantes, como o Sartre. Mas ele próprio também alertava para as escolhas na vida:
“Viver é isto: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências”.
AjAraujo, crônica escrita em 7 de fevereiro de 2015, de uma série sobre grandes personalidades das artes e da literatura e as suas lutas para se livrarem do tabaco.
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