“Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro! “ (Fernando Sabino)O discípulo Rashir após longa caminhada, atravessando rios e pântanos, eis que finalmente chegara ao pé da montanha sagrada.
Esta peregrinação fazia parte de seu ritual iniciático, o mestre havia escolhido a ele para dar sequência ao trabalho que havia iniciado.
Com poucas provisões e o mínimo de artefatos para carregar, Rashir preparou a tenda, bem junto a uns pequenos rochedos para se proteger do forte vento que passeava e brincava em torno da montanha sagrada.
Dizia a lenda que o vento fazia reverência à montanha e que esta ao sentir cócegas, soltava as pedras que estavam mais soltas, isto facilitava a subida dos peregrinos no outro dia, evitando os acidentes comuns nestes paredões íngremes.
O discípulo, ao observar a grandeza e suntuosidade da montanha, também fez as suas preces e reverências, de forma respeitosa, para que pudesse ser acolhido e protegido no seio da grande montanha sagrada.
Ao iniciar a caminhada, olhou para trás, viu que já não alcançava o quanto havia percorrido para chegar aquele momento de êxtase.
Então dizia o discípulo como se conversasse com a montanha:
“Ah, que subida tão árdua, as pedras me machucam os pés, meu corpo busca manter-se equilibrado entre as fendas”.
Estas curtas trilhas da caminhada certamente haviam sido deixadas para servir de guias a outros peregrinos.
“Ah, que vida tão dura no ar rarefeito destes tortuosos caminhos”. O discípulo parou um pouco, e ficou maravilhado com o que viu: havia centenas de pássaros que misteriosamente ali construíam seus ninhos.
E, em atitude contemplativa diante do horizonte, era um dia muito claro, com nuvens somente tomando o topo da montanha, parou e pensou nas razões do nascer, do caminhar, do viver e do morrer, ficando um longo tempo a curtir este momento mágico.
“Ufa, aproxima-se o cume encoberto pela neblina, aponta para o infinito como uma mão que se estende em oração, em louvor”.
Em respeitoso silêncio, a sua inquietude cede lugar à placidez, da montanha entre o verde vale e o azul celeste, parece-lhe ouvir um som, como se ecoasse do coração da montanha.
Agora, uma suave brisa circula, e o discípulo consegue perceber algo que o mestre havia lhe dito: “haverá um momento em que você comungará com a natureza, se sentirá parte dela”.
“Sou parte do todo! A dor já se acalma em meu peito diante do testemunho vivo do universo, brota essa mágica energia, vem de todas as direções, protege meu perispírito, recarrega a minha essência. ”
“Enfim, diante de mim um vale e outros altivos montes majestosos na paisagem estão lá há milhares de anos, e tenho o privilégio de ser matéria em meio à matéria, de ter a alma tocada pela beleza da obra divina. ”
Refeito da longa caminhada, o discípulo após alcançar o cume da montanha, faz uma longa oração e, antes que o sol se ponha e os ventos venham brincar no vale, prepara-se para descer a montanha em direção ao vale.
Então, o discípulo diz: “Uma vez concluída esta etapa de minha caminhada, início o caminho de encontro ao meu eu interior, ao Deus do meu coração, pronto a seguir mais uma jornada”.
AjAraujo, o poeta humanista.
Imagem: “The Fall” baseada no filme búlgaro, “Yo Ho Ho” (1981).