Enfim chegava a esperada noite de Natal no pequeno povoado! Aqueles três meninos observavam a correria daquela gente em festa.O relógio da torre marcava 8 horas da noite, a esta altura, muitas lojas já cerravam as portas. Um vento frio fazia tremer o corpo e doíam os ossos. Recostavam-se uns aos outros na espera do pai que tentava (em vão) comprar algo para a ceia de natal.
Tempos ruins aqueles, o pai estava desempregado e ainda por cima haviam sido despejados e agora dormiam em um trailer abandonado, na beira da estrada, com pouca lenha para aquecer nas longas noites de inverno que se anunciavam.
Um dos meninos, que se chamava Juan, olhava para a algazarra de um garoto típico da cidade, escolhendo os presentes mais caros e bonitos que jamais vira, deixava-se levar pelo pensamento, sonhando também tocar aquele presente, momentaneamente parecia-lhe viver aquela cena.
Um de seus irmãos, Rodrigo, parecia ter o olhar perdido na multidão, nada dizia ou gesticulava, apenas contemplava em silêncio uma noite que nada prometia de diferente de outras tantas vividas.
O terceiro e mais velho dos irmãos, José, preocupava-se em observar o pai, que em longa confabulação, tentava convencer o dono do armazém a lhe vender algo fiado. Em desespero, o pai apontava para os filhos no frio, ao relento, como última cartada para obter algo para levar para casa.
Nada feito. O pai sai cabisbaixo do armazém, mal podia divisar os olhares de seus filhos, não cabia em si de abatimento e revolta. O que diria aos seus filhos? O que restaria a Maria para aprontar para esta noite, logo na ceia de natal.
Quando subitamente, ao atravessar a rua, vê uma criança desprender-se das mãos de sua mãe e postar-se indefesa em frente a um bonde em velocidade.
Trêmula, o medo a impedia de movimentar-se. O pai dos meninos pobres se lança como uma flecha e consegue tirar a menina da frente do bonde, mas o destino cruel lhe reservou uma peça, uma de suas pernas ficou presa nas rodas da composição.
Os meninos correram ao pai e todos os passageiros do bonde e os passantes em solidariedade àquele corajoso homem conseguiram libertá-lo das ferragens do bonde e levaram-no a um hospital.
Enquanto recebia os primeiros socorros no pronto-socorro, aquele homem pobre não imaginava o alcance de sua façanha.
A criança salva por ironia do destino era nada mais nada menos que a neta do dono do armazém que lhe negara tão pouca coisa que pedira: lenha, pão e lentilha, para aquecer e saciar a fome dos filhos.
No entanto, as notícias não eram animadoras, os médicos constataram que aquele gesto generoso expondo a sua própria vida, estava prestes a custar à perda da perna do pobre senhor Natanael.
A equipe médica resolveu aguardar até que o dia raiasse para tomar a decisão de amputar, que até aquele momento parecia a mais sensata, por mais dolorosa que fosse com aquele herói anônimo.
Então, eis que subitamente, surge uma senhora de alvos cabelos e tez macia e se ofereceu para prestar ajuda ao pobre pai.
Ninguém no povoado a conhecia, mas impressionavam os seus gestos delicados, a sua voz terna e o olhar caridoso.
Durante sete dias cuidou dos ferimentos, da ameaça de gangrena e o pai já começava a mexer os dedos dos pés, quando ao acordar na véspera do novo ano, ao chamar por tão especial senhora, apenas ouviu de seu filho mais velho:
“Pai, quem cuidou de você foi Nossa Senhora. Ela já se foi, pois você está melhor. Ela disse que quem a chamou foi a Clarissa, aquela garotinha que o senhor salvou”.
Enquanto o filho prosseguia, o pai cobriu a face com lágrimas, tomado de profunda emoção:
Então, José enxugando as lágrimas do pai – que raras vezes vira chorar – seguiu contando:
“Nossa Senhora me disse em sonho para o senhor orar, não entrar em desespero, pois na vida temos provações que são desafios para que mostremos o quanto somos determinados para enfrentá-los com serenidade, fé e determinação”.
José era um menino muito admirado por ser muito religioso e aplicado nos estudos, e também ajudar aos irmãos e aos pais nas tarefas domésticas. Há poucos meses, o Padre Emanuel o havia promovido a coroinha na paróquia local, motivo de muito orgulho para sua família pobre.
Ao deixar o Hospital, apoiado sobre muletas, com a ajuda dos filhos, o pai veria uma cena que marcaria profundamente a vida daquelas pessoas do pequeno povoado.
Eis que, de repente, todas as luzes da cidade se apagaram e toda a gente da cidade viu um asteroide riscar o céu em belíssima luminosidade, ao ponto de alguns imaginarem ser a própria estrela de Belém em visita fortuita àquela comunidade.
Um facho de luz, como um grande farol em alto mar, iluminou os corpos daqueles meninos franzinos e de seu pai herói. E foi assim durante todo o trajeto até o seu humilde casebre improvisado no velho trailer.
Enquanto caminhava, todas as pessoas corriam para ajudá-lo, ofereciam suas casas para a ceia daquela pobre família e brinquedos e roupas para seus filhos.
Um milagre havia acontecido naquela cidade. Um milagre no espírito do Natal.
Quando o desprendimento, a generosidade e a solidariedade andam juntas, todo bem é possível. Aquele pobre senhor bem poderia ser Jesus Cristo e as crianças famintas, os jovens pastores em sua cabana.
Um conto de natal, um conto de solidariedade, homenajeando Charles Dickens. por AjAraújo, em 14/12/2003.
Conto premiado com o primeiro lugar na categoria poesia no Concurso de Contos e Haicais no 31º Concurso Literário Yoshio Takemoto, de 2013.Imagem pelo fotógrafo Jean Lopes, feita para este conto publicado em o Potiguar.