Modus operandi versus Modus vivendi, o que buscamos?
A lei 11705/2008, com o codinome de “Lei Seca”, ainda que não seja a ideal, significou um passo adiante na preservação do maior patrimônio humano – A vida e não “o carro” e as conseqüências funestas de suas estreitas ligações com o “falso poder” de quem pensa ter ao tomar assento na direção de um veículo, alcoolizado (em qualquer freqüência e volume) e embalado pelas baladas (muitas vezes adicionada a doses de outras drogas) protagonize as cenas bizarras de destruição da própria vida e a de outrem, na irresponsabilidade e impunidade que até então vem se caracterizando em nosso país.
Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), o consumo de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito. E metade das mortes, segundo o Ministério da Saúde, está relacionada ao uso do álcool por motoristas. Diante deste cenário preocupante, a Lei 11.705/2008 surgiu com uma enorme missão: alertar a sociedade para os perigos do álcool associado à direção.
Esperamos que esta lei pegue, e que ao ser punitiva possa atingir os crônicos infratores, abusivos diante do consumo do álcool e do excesso de velocidade, alguns psicopatas, outros dependentes, muitos narcisistas, exibicionistas de um poder que se acaba na primeira curva ou no primeiro poste ou pobre árvore que “freia”, ainda que de maneira trágica, suas pulsões de morte.
Para onde caminhamos ao conduzir os nossos veículos, ruidosos – nas buzinas e alto som a desancar a nossa impaciência com o caos do fluxo -, velozes – nos sonhos embalados da fórmula 1 e da mórbida necessidade de ultrapassar o outro a qualquer custo – raivosos – feito projéteis, mísseis a atingir pedestres nas faixas dos semáforos, avançando sinais, invadindo calçadas – sarcásticos – incapazes de admitir o erro, ainda que todas as evidências apontem em contrário, afinal só foram algumas “doses”. Ou, mais grave, fugindo da avaliação dos teores de álcool (teste do bafômetro) e, ainda tentando burlar os resultados com a realização do exame no dia subsequente ao acidente, como foi noticiado pela imprensa recentemente com autoridade com notório conhecimento sobre a lei.
Sempre que me deparo diante de um carro, vejo com dois olhares, de um lado, a cruel necessidade dos tempos modernos de se adaptar ao “Just in Time”,
– de não “perder o tempo” que nos faz acelerar nossos sentidos, despachar o senso crítico e responsável, correr e chegar a qualquer custo ao local predestinado,
– que paradoxalmente, cada vez mais, se torna alvo intangível tal a quantidade de carros nas avenidas; e a sensação de “aventura”, de adrenalina que se impõem pessoas tão jovens de dirigir a altas velocidades,
– participar de “pegas”, fazer manobras arriscadas, tudo em prol de uma sensação de vitória, de “passar” o outro,
– de exibicionismo ante os pares e, que irremediavelmente vem acompanhada de “envenenamento de motores” e de “mentes”,
– afinal o álcool não é mais só combustível do “auto-morte” (poderia ser chamado o automóvel, pois, neste caso serve menos para mover o indivíduo para uma necessidade de vida e, muito mais para uma procura da morte),
– mas da autodestruição do ser humano, embalado por belíssimas mulheres e situações, a publicidade atinge (tal como ocorre com o seu primão-irmão tabaco) a milhões de jovens no mundo a entrarem em “ritmo de uma aventura” que lhes custa a própria vida.
Este convite para reflexão é, mo permita adicionar, um convite também para a ação, para a implacável cobrança de que a justiça seja ágil e severa e, não parcial e leniente com os criminosos do trânsito.
Um convite também para que todos nós sejamos mais firmes em nossos papéis educadores de nossos jovens ainda em flor, para que não nos deixemos envolver no clima sedutor de suas fantasias (e mesmo, das nossas) de que por um “pouco de velocidade” e “emoção” na vida de nossos rebentos lhes trará mais autonomia, confiança e segurança, quando a trágica experiência tem revelado exatamente o contrário.
Esta sangria desatada, associada a um padrão consumista sem limites, está levando precocemente de muitos lares, os filhos de uma nova geração (haja vista a mortalidade e incapacidade na faixa de 14-29 anos) e, “quando chamados” por uma Consciência Superior a explicarmos o porquê certamente não poderemos culpar o destino ou uma “zanga ou punição divina”, o que aqui plantamos colhemos, nesta ou nas gerações que nos sucederem.
Os tempos contemporâneos de um modo assaz, como em nenhuma outra época da humanidade, nos incitam ( ou excitam) ao consumo, a busca sem rumos, o prazer efêmero, ao individualismo, à competição, à destruição (do planeta e do semelhante), à opção por um modus operandi ao invés de um verdadeiro modus vivendi.
O que significa felicidade em nosso inconsciente coletivo, diante de tantos mecanismos “compensatórios” através do desabrochar de nossas compulsões mórbidas e do declínio de nossas pulsões de vida?
Eu não tenho esta resposta, mas pensar em ser feliz e buscar fazê-lo de uma “forma sustentável” em respeito à nossa intrínseca e extrínseca natureza, pode ser uma das vias de superação desta crise de identidade humana.
Sejamos mais humanos (e dependentes de humanos) e menos egoístas (mais solidários), e racionalizadores no uso dos recursos tecnológicos para que eles tão somente nos sirvam para dinamizar as nossas vidas e não dinamitá-las na primeira curva da estrada do que seria vida.
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Reflexões sobre a “Lei Seca”: Ensaio que escrevi sobre os paradigmas e reflexos da alteração das recentes alterações introduzidas no Código de Trânsito Brasileiro ditadas pela lei federal 11.705, recém promulgada, em (19/6/2008) e sugerir, se possível, a sua publicação neste excelente boletim que nos mantém atualizados sobre o que acontece em nossa área.
Esta legislação, ainda longe de ser a ideal, significa um grande avanço na preservação do maior patrimônio humano – a vida e não “o carro” e as conseqüências funestas das estreitas ligações com o “falso poder” de quem pensa ter ao tomar assento na direção de um veículo embalado pelas baladas e álcool em qualquer quantidade.
É preciso agir e com a rapidez de nossas ações em contraponto a dos motores movidos a álcool do automóvel e seus senhores irresponsáveis, para tentarmos mudar este panorama trágico. Assim, mo permito refletir com um ensaio humanista e devolver também para reflexão de todos, quanto ao papel que devemos desenvolver junto aos nossos jovens para que esta lei, não seja mais uma que não “pega”.
AjAraújo, médico e poeta humanista.
Texto Escrito em 28 de Junho de 2008, atualizado em 2011.Imagem: James Dean (1931-1955), última fotografia em vida no dia do acidente fatal com seu Porsche, contando apenas 22 anos.