A idade que temos

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Perguntam-me
que idade eu tenhoJá o fazem decerto
com presumido cálculo
pelos cabelos brancos
ou na calvície que desponta,
pelas rugas frontais
que marcam a face.

Mas será
a idade demarcada,
de fato, pelo tempo
do calendário romano?

Decerto terá
a idade biológica
um fator de herança
de nossos ancestrais.

Perguntam-me
que idade eu tenho

Já se antecipam
em prover algum
desconto compensatório
pras marcas que o tempo deixou
e não apagou,
“ora, você não parece ter tanto”.

Mas será
a idade traçada
por uma evolução
de caráter antropológico?

Contudo terá
certo traço jovial
que seguirá através do
espaço-tempo terreno.

Perguntam-me
que idade eu tenho
E, se respondo
que nasci a 10 mil anos atrás,
– como diria o Raul Seixas -,
espantam-se
e me alcunham de Buda

Mas, sabe de uma coisa
a idade de alcançar,
aquela dose de sabedoria,
de sensatez e bom-senso,
ela começa no fim de tudo.

Com certeza,
a idade cronológica
hoje é mascarada
com a tecnologia do rejuvenescimento
do botox, da plástica, do implante

Ainda assim,
se insistem em me perguntar
que idade eu tenho,
com franqueza digo
que a minha idade
precisa ser medida:

– pelas estações que vivi,
– pelas pessoas que cruzei,
– pelas vidas que cuidei,
– pelas mudas que plantei.

Assim, talvez
o peso da minha idade
se desfaça do fardo
que sobre meu ombro carrego
ao buscar:

mais coisas deixar
do que levar…
mais perdoar
do que cultivar a raiva…

mais solidariedade praticar
do que a ambição me tomar…
mais árvores plantar
do que colher…

AjAraújo, o poeta humanista, escrito em setembro de 2010.

Art by Diane Leonard, American Impressionist painter ~ “The lanterns are great”

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A-hora de ir-se

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A-hora de ir-se
Ser-ia a hora?A-mora vestir-se
Ser-ia agora?A-Nora casar-se
Ser-ia nora?

A-fora mirar-se
Ser-ia fora?

A-tora partir-se
Ser-ia tora?

A-Cora corar-se
Ser-ia Cora?

A-Dora calar-se
Ser-ia Dora?

A-Flora beijar-se
Ser-ia Flora?

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 23-fev-2012.

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Borboleta – em uma casa de idosos

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Assim assado,
assim passado,
talvez amado,
quiçá calado,

terminar parado
olhar exilado
sopro exalado
carinho esperado

tempo passando
vagão derradeiro
sem mais estação
tão fraco coração

o clima tão árido
julho no cerrado
murmúrio de cachoeira
vendo poente na soleira

tudo tão pesado
dói artrose d´joelho
ah, fardo da idade
saudade da mocidade

da terra arado
saudade do milharal
pamonha, curau,
mas tudo é passado

no velho asilo
de volta ao casulo
a espera da metamorfose
pra liberar a borboleta-espírito.

AjAraujo, escrito em 30 de julho de 2015, após uma visita ao bem cuidado e acolhedor Lar do Idoso, em Goianésia, Goiás.

Fotografia – Goianésia, Goiás.

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Hada

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fui,Hada
até nada,
do leite
até natafui,
até cada
deleite
até lata

fui,
até fada
de Afrodite
até Mada *

fui,
até Hada **
de enfeite
até dourada…

* Gigante na mitologia Hindu.

** Criatura fantástica e sutil, descrita na mitologia greco-romana e na mitologia nórdica.

AjAraújo, poema escrito em 16-Ago-15, invocando personagens da mitologia.

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Sonho na folha

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sonhei que crescia
em uma árvore
que era folha,
e que uma bolha,
soprada por um menino
queria chegar à nuvem,
e que pedi licença
ao galho e me soltei
levando o sonho
do menino,
na bolhinha de sabão.

A nuvem emocionada
chorou tanto
que eu folha molhada
desci ao solo,
onde o menino
viu escrito em
minhas linhas
já amareladas,
sonho é pra ser sonhado,
vida é pra ser vivida…

imersa no orvalho
da garoa,
via a nuvem
fazer uma carinha
de coração
pro menino
e depois disso
ele me apanhou
e colocou no seu
diário…

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 21 de abril de 2016.

Arte: Nguyen Minh Son, Vietnam

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Lágrimas no copo

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No teu copo
degustas a água-ardente da vida
mágoas que se transformam em raiva
lágrimas que escorrem n´alma

No teu copo
lutas por inundar a correnteza
na tormenta amortecida pelo álcool
que se infiltra célere pelas veias

No teu copo
solitário, fazes do trago companhia
no fiel escudeiro do uísque mais barato
da cachaça de origem duvidosa

No teu copo
mais uma dose, garçom, pra afogar
colocar debaixo do tapete frustrações
até entorpecer e ser carregado do salão.

No teu copo
já quase a molhar o colarinho branco
sente o alívio de chutar o balde
enquanto desce mais uma pela garganta

No teu copo
segredos a agitar o coração
na tormenta dos dias, primeira dose da manhã
para curar da ressaca e da abstinência.

No teu copo
sonhos que despertam a mente
na chegada da noite, no clima ébrio
nas tabernas, na dança das cores.

No teu copo
fluem desejos nos olhos vermelhos
no corpo já virando Torre de Pizza
na direção inevitável do banheiro.

No teu copo
nas mãos que se enlaçam sem ânimo
nas trevas que a libação leva
nas frases macias, na voz trêmula.

No teu copo
destilas os sonhos e fantasias
perdes toda a censura e compostura
adquires outra personalidade: ébrio.

AjAraújo, o poeta humanista, escrito em julho de 2010, a propósito do uso abusivo do álcool cada vez mais frequente e estimulado em nossa sociedade, junto aos jovens com propagandas milionárias.

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A inscrição no barco

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A praia estava vazia,
A maré era rasante,
Havia pequenas conchas
Como aquarela na areia.

O sol despontava morno
Era um dia de inverno
À noite se dissipara
Uma frente fria.

As dunas em movimento
em um ritmo de um adágio
O caminhante não se dá conta
Do tempo, sem relógio ou celular

Há muito não percebia
O quanto esse encontro
de terra e mar, de mar e ar
me propiciava paz de espírito

Na enseada da praia do foguete
– não sei o motivo do nome –
Encontrei um barco ancorado
E lá havia uma inscrição

“É melhor ser craque
no esporte, marujo
do que morrer afogado
no vício do crack”

Fiquei encantado
com esse pensamento
tão singular
quanto necessário

Época de tantas drogas
das noites de insônia
dos dias de penumbra
destes jovens qual zumbis

Que deitam-se nas esquinas
Se escondem sob os viadutos
enrolam-se no que encontram
e criam um mundo de ilusão e abandono.

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 15-9-13.

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As flores de maio

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E se as flores de maio
desabrochassem enfim
nesta triste cidade?

E se espantassem o frio
a dor, o medo, a angústia
da violência desses dias?

E se este pueril aroma chegasse,
aos lares cerrados, entre as frestas,
das grades, janelas, cortinas, narinas?

E se as abelhas fertilizassem
O pólen, de alguma flor esquecida
que espera em botão abrir-se?

E se, ainda que fosse demasiado tarde,
as ruas florescessem em paz e harmonia,
em gestos, rituais, encontros, sorrisos?

E se os homens se deixassem
levar pelo chamado vital da natureza
que ainda perdura nesta selva urbana?

E se tornassem crianças ou borboletas,
pousando na flor humana que ainda resiste,
na alegria de compartir este momento?

E se esquecessem por um breve instante,
das balas, chagas, grades, medos
e verem a flor do amor desabrochar?

E se as flores de maio
pudessem entoar uma canção de outono
neste sombrio cenário de guerra urbana?

E se cada pessoa reafirmar, a cada momento,
o valor do amor, frente à dor, e buscar (urge)
o sentido pleno da existência humana?.

AjAraújo, o poeta humanista, escrito em Maio, 1996.

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A terra do pão, da vinha e do trigo – Oração da Harmonia

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“ Tal como às vezes digo que, em vez da felicidade, eu acredito na harmonia, penso que o amor é o encontro da harmonia com o outro. ” (José Saramago)

Ame sempre,
O perfume da rosa cálida.

Busque sempre,
A sensibilidade da alma.

Curta sempre,
A brisa serena e calma.

Rabisque sempre,
Um coração na areia.

Cante sempre,
Um canto de alegria.

Abrace sempre,
Uma causa de esperança.

Retribua sempre,
Um gesto de gentileza.

Ore sempre,
Uma prece de bem-aventurança.

Respire sempre,
O aroma puro da natureza.

Haja sempre,
Com serenidade e franqueza.
Caminhe sempre,
No rumo espinhoso da verdade.

Defenda sempre,
A justiça diante da maldade.

Pratique sempre,
Atos de solidariedade.

Espelhe-se sempre,
Em exemplos de generosidade.

Renasça sempre,
Na luz de cada manhã.

Liberte-se sempre,
Do egoísmo e da inveja.

Siga sempre,
Em busca da felicidade.

Sorria sempre,
Ao descortinar o sol nascente.

Medite sempre,
Ao contemplar o sol poente.

Edifique sempre,
O espírito na paz e na harmonia.

Procure sempre,
A terra do pão, do trigo e da vinha.

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 22-Set-12.

“Poema premiado com o 1º Lugar no Concurso Literário Darcy Ribeiro da Feira Literária de de Ribeirão Preto, em 2013.

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A chaga

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Sinto dor, muita dor!
Uma chaga abre-se
em meu coração.

Palpita, agita-me,
em bradicardia
ou seria taquicardia?

Abrigo esta dor, dor surda!
E meu sangue que banha
esta chaga miocárdica,
aos poucos vai me consumindo.

Toda dor tem seu mistério,
O segredo da minha dor é simples,
não é física, será química?
é fermento da paixão, já não sei.

Ah, esta minha chaga
irrompeu nas mãos,
no simples adeus.
O seu vetor espalhou

uma incontável legião
de parasitas pelo ar,
em uma região concreta
ou abstrata do viver…

Meu sangue latino, rubro
– como meu rubor facial –
mudou súbito de cor,
em verde se transformou.

Senti a vida aflorar
nos pequeninos grãos
de areia da praia

ora brilhantes, cristalinos
ora opacos na sombra oscilam
entre o branco e o negro

Já não consigo discernir
o canto dos pássaros.
Tudo é uma orquestra divina,

Maravilhosa combinação
de sons, cores, amores.
A fase aguda durou pouco

Como todos os bens e males,
A gente só consegue avalia
Depois que por eles passa.

Se bem que para o mal do amor,
O melhor remédio para essa dor
é o bem que faz outro amor.

AjAraújo, o poeta humanista, escrito em novembro de 1975.

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