​Na direção da utopia

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Deseje o que pareça impossível,

realize sempre o que seja possível,

não conte nunca com o improvável…

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 3-Out-14.

Arte de realismo mágico por Rob Gonsalves, pintor surrealista canadense.

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A montanha e o peregrino

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I.

Subindo a montanha,

Paro na rocha calva

Miro a vila calma

II.

Descendo a montanha,

Paro no sol poente

Vejo vida re-nascente

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 1-Ago-12.

Imagem: Torres de Paine, no sol nascente, Patagônia Chilena, Foto de Katsu Tanaka, 2014.

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​Romã temporã

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No verde pomar -Vingava uma romã,

Fora d’estação

AjAraujo, o poeta humanista.

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Orquídea-anjo

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Orquídea-anjo

hiberna no inverno

abre n’outono…

AjAraujo, haicai para orquídeas sem orquestra.

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O quadro de cortiça

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“Os ideais que iluminaram meu caminho, e que, de tempos em tempos me dão nova coragem para enfrentar a vida com alegria são a bondade, a beleza e a verdade. ” (Albert Einstein)

Era uma tarde de sábado de inverno atípico. O calor estava sufocante, havia saído a pouco da barbearia, caminhava em direção a minha casa. No caminho procurava alguma sombra na estreita calçada da Rua Lins de Vasconcelos.

Em plena subida, uma cena me chama a atenção: eis que atravessa uma moça maltrapilha e descalça com algumas sacolas de plástico, um feltro e um quadro.

A moradora de rua interpela alguns passantes, mostra-lhes um quadro típico de avisos, mas eles balançam a cabeça negativamente.

Quando, de súbito, ela se aproxima de mim e me diz:
– “Moço, tenho fome, preciso inteirar o dinheiro para comprar uma quentinha, só tenho dois reais”.
Saca a nota amassada de uma bolsa e diz:
– “O senhor está vendo? ”.
Antes que eu pudesse lhe dirigir a palavra, ela prossegue:
– “Não tenha medo, eu não vou lhe fazer mal, só queria lhe vender este quadro de cortiça por oito reais, aí eu vou poder comprar a comida”.
E depois arrematou:
– “Tome, pode pegar e veja que está em bom estado”.

Como a me provar que dizia a verdade, que não estava querendo simplesmente “pedir” dinheiro.

A sua expressão era de grande sofrimento, estava bastante desnutrida, naquele momento não parecia estar sob o efeito de alguma droga costumeiramente utilizada nas redondezas, como por exemplo, o crack.

Acenei com a cabeça e lhe dei dez reais, mas lhe disse que ficasse com o quadro, fosse comprar a sua quentinha e se alimentasse (seu estado era deplorável, os olhos estavam fundos, a face muito abatida, tinha aspecto de desnutrição crônica e não devia passar dos 35 anos).

Ela então disse que o quadro era meu, e abriu uma bolsa que estava em uma das sacolas, pegou uma nota amassada de dois reais e me disse:
– “Obrigado, senhor, aqui está seu troco”.
Esta atitude, obviamente me causou grande perplexidade, pois ela demonstrava uma satisfação e dignidade, ao sacar da bolsa novamente a nota de dois reais e esticar a mão para me entregar.

Eu disse a ela que estava tudo bem, que eu levaria o quadro, mas que ela ficasse com os dois reais para comprar um suco, um copo de leite ou algumas frutas.

Ela relutou, e aí, um pouco mais confiante, vendo que não a molestaria, disse:
– “Eu não gosto de pedir. Eu vivo nas ruas, vendo papelão e latinhas de alumínio para comprar comida e a “pedra” (referia-se ao crack) para esquecer os problemas da vida, o senhor entende? ”.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela virou-se e se pôs a caminhar. As coisas aparentemente para ela resolvidas sem muita complexidade, pouco tinha e este pouco negociava para obter o “essencial” para suas necessidades, seja vendendo as latinhas e o papelão, ou trocando alguma raridade que encontrava nas lixeiras.

Ao chegar a minha casa fiquei longo tempo fitando o quadro de cortiça arrematado por um prato de comida e nele pendurei as dores do mundo e, refleti que nem de longe, as minhas dores se comparam a daquela pobre moradora de rua e dependente química do terrível crack que cruzou o meu caminho naquela inusitada tarde de inverno.

AjAraujo, o poeta humanista, descreve um fato real ocorrido em 25-Ago-12.

Fotografia: Jovem sem teto na Índia.

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Pétalas sobre o ataúde

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O que seria a vida daquela família sem a presença radiante da jovem graciosa Pâmela? De longe, acompanhando o féretro naquela tarde chuvosa, esta era a pergunta que insistia em martelar meus ouvidos.

Pâmela era filha única, dedicada a causas sociais em sua comunidade, um pequeno povoado irlandês próximo a baía de Galway.

Ao som da música de Enya e de canções folclóricas no dialeto irlandês tradicional (Irish), aquela jovem encerrava precocemente seu ciclo terreno no final do inverno.

Ao voltar para a pequena pousada, enquanto tomava uma chávena de chocolate e observava o quanto estavam tristes as pessoas nas mesas próximas, pedi uma folha e um lápis a uma solícita garçonete e, com lágrimas vertendo e ameaçando cair sobre o papel, resolvi escrever algumas palavras.

A chuva fina, em meio à neve em flocos caía sobre as vidraças. Os carros em cortejo fúnebre seguiam em fila indiana, cruzando os parques onde outrora aquele anjo brincara.

No triste cenário sobressaíam os negros casacos, os lenços cobrindo os ombros, os óculos escuros, as faces contraídas e os olhos marejados dos parentes e amigos inconsoláveis.

Eu era somente um visitante, de passagem por aquele povoado, mas o que acontecera de tal forma me havia impressionado que resolvera postar-me solidário e presente nesta derradeira homenagem à Pâmela prestada pelo povo do lugar.

Um senhor muito humilde, em trajes bastante batidos, seguia o cortejo a pé. Vendo-me postado um pouco à distância, aproximou-se e me dirigiu a palavra:

– “Hoje é um dia muito triste para todos! Esta moça era como um anjo, eu vou sentir muito a sua falta”.
Aquiesci com a cabeça, observando que brotavam sinceras lágrimas nas faces daquele pobre senhor.

O gramado começava a recuperar-se após longo inverno. Já se podia ver o crescimento de verde relva, pra acolher em plena primavera como um jardim, o corpo de uma nubente princesa tolhida dos encantos da vida.

Indaguei ao senhor, há quanto tempo a conhecia, então ele me disse:

– “Eu a vi desde pequenina nos bosques brincando com seus pais, ou quando ia aparar a grama e cultivar as flores no jardim de sua casa”.

Ah, então o senhor é jardineiro, que bela profissão. Ele retribuiu com um sorriso e comentou:

– “Eu só não queria estar no lugar daqueles coveiros”.

E por qual razão?
– “Eles abrem a terra para plantar mudas gastas de vida, quando as pessoas morrem no seu tempo certo. Eles fazem isso de modo natural, solene e de forma muito respeitosa, oram por todos que enterram. Sabem que é uma missão que lhes foi delegada”.

Ele fez uma breve pausa para ver se eu estava interessado no assunto, então eu disse, por favor, continue.

– “Mas, quando vão cavar para abrir uma cova para uma criança ou um jovem, a própria terra se revolta, as ferramentas se recusam a funcionar, acontece de tudo, moço, foi o que me disseram certa vez, quando curioso lhes fiz esta pergunta: Como é para vocês enterrar um anjo?”

Enquanto o jardineiro falava, via o quanto aquela gente olhava desolada o ataúde, em sua pequena abertura para uma derradeira mirada no rosto daquela jovem que parecia estar dormindo um sono de inverno, e que até ontem esquiava na montanha.

Por mais explicações que nos tragam, é difícil aceitar que da árvore em crescimento, caiam os brotos em plena floração e se lancem assim ao chão, sem que possam cumprir a sua missão.

Em analogia, seria como o leito de uma estrada interrompida, por uma tormenta típica de verão, uma inversão da natureza da existência.

O jardineiro ofereceu-me um lenço de papel e abraçou-me ternamente ao perceber o quanto estava triste e absorto em meus pensamentos que nem percebera que estava também chorando.
– “O senhor é, por acaso, algum parente da moça?”

Eu lhe disse que era apenas um viajante que havia escolhido aquela pequena cidade para admirar a migração de aves que acontece nos lagos no despertar da primavera. Foi então quando soube do acidente fatal na pista de esqui.

Um grande drama, pois a autópsia revelou que antes de dirigir-se para a montanha, a jovem havia consumido cocaína com vodka, junto com outros jovens que confirmaram esta página sombria da vida desta jovem tão querida.

Claro, que não disse isso ao simplório jardineiro para que ele preservasse em sua memória aquele anjo que me descrevera ao me encontrar.

O mais lamentável desta história é quando se pensa nas trajetórias de vidas interrompidas, com o destino inexorável que leva à morte de milhares jovens que se abrem ao consumo da droga, em busca de uma falsa rebeldia e fantasia. O que tanto lhes falta? Que vazio existencial é este que lhes faz buscar o abrigo da droga?

Eu me debrucei uma vez mais em oração, com os olhos marejados de emoção ao ver os jovens pais lançarem pétalas de flores para ornamentar o jardim da eterna casa da jovem Pâmela.

Então me aproximei, e assim que os coveiros cerraram a lápide, chamei o jardineiro e dividi com ele o par de botões de rosas, cada um colocou solenemente sobre o túmulo.

Os pais observaram o nosso gesto, me acenaram agradecendo e, ao reconhecerem o jardineiro, se dirigiram a ele, deram um longo e terno abraço.

Estava bem próximo e ouvi uma das falas mais reconfortantes que alguém pode receber em um momento destes.

O jardineiro lhes disse, de modo suave e amoroso:

– “Amanhã será o início da primavera, quando acordarem olhem para o céu e observem a chegada dos flamingos, quem sabe esta menina se transforme em um deles e vá brincar no lago e voar pelos céus de nosso povoado”, disse emocionado o jardineiro, e arrematou:

– “Não fiquem tristes, Deus a chamou antes, nos chamará depois, Ele tem sempre os planos Dele, ela nunca estará distante, pois para sempre irá morar em nossos corações, lembrem disto: um anjo não morre, estará sempre cuidando de vocês”.

Ao chegar ao Hotel, me detive longo tempo apreciando os montes que já mostravam a calvície produzida pelo degelo de primavera, a água escorria mansamente para o grande lago que ficava nas cercanias do vilarejo.

Os pinheiros resistentes ao longo inverno estavam mais verdes e uma pequena fresta de sol irrompia pelas venezianas entreabertas.

Parei um instante, orei pela jovem Pâmela e seus familiares e dei graças a Deus por ter compartilhado aquele momento, a dor daquela perda haveria de ser recompensada com muitas flores nos prados daquele belo lugar.

AjAraujo, conto escrito sobre os sonhos de uma bela jovem interrompidos pela droga.

* Conto premiado com “Menção Honrosa” no Concurso Literário Internacional da Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande – SP, em março de 2015.

Imagem: Gaza Dawn is coming by Rmanah (Palestine)

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Ernesto Che Guevara: o médico, o líder, o mito! (Parte 3)

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Tributo ao Che Guevara (1928-1967), presente nas mentes e corações libertários.

Che era um revolucionário total. Render-lhe um tributo somente com palavras parece profundamente inadequado, pois as palavras podem perder-se no vento ou no tempo.

Ele se comunicava, de forma direta, mediante ações, e suas palavras eram armas na luta, ás vezes vigorosas, duras, outras tantas poéticas, ternas, mas, sempre sinceras.

O movimento revolucionário teve em Che a expressão mais fiel de um líder, que desprovido de qualquer ambição de poder, lutava pela liberdade humana.

E nenhuma tarefa é mais difícil ou mais urgente que unificar o significado da luta em prol da justiça social e combate sem trégua às desigualdades sociais, em uma frente histórica de reconstrução do horizonte humano. E Che Guevara fez isso de modo singular, levando à radicalidade seu propósito, abrindo mão da própria vida.

Como em tempos ancestrais, os levantes de povos oprimidos pagavam o preço da liberdade com a morte de seus heróis em batalhas, como exemplo histórico a luta do escravo Spartacus contra o império romano.

Che Guevara, com sua incansável estirpe libertária, teve sua vida ceifada em solitária incursão nas montanhas andinas da jovem América, a qual se doou por inteiro.

No Renascimento havia homens universais, grandes na arte, na ciência e na literatura,
e alguns que desafiaram os cânones, como Copérnico, Galileu, Joana D’Arc,
sendo condenados como hereges, por suas “heresias libertárias ou contestadoras do status quo da época”.

A partir do século XX, a política – entendida como o domínio do homem sobre seu próprio destino – cria uma forma real de universalidade. Contudo, a política passou a ser utilizada como forma de dominação e submissão de povos.

Che era decerto o homem universal de nosso tempo, por contestar as formas de domínio e opressão do imperialismo internacional. Esta é a verdade nua e crua.

Hoje, passados mais de 30 anos de sua morte, a imagem rebelde de Che segue viva, estampada nas camisetas e bonés de jovens, e temida por todos aqueles que tramaram a sua morte.

A tormenta da luta de libertação na América Latina, Ásia e África, que ao tempo de Che,
levou a sanguinárias batalhas, se contrapondo aos fabricados golpes de estado e implantação de ditaduras militares na América Latina, na sanha imperialista americana. Pátrias se dividiram, como a Coréia e o Vietnam, além de Angola, com legiões de irmãos combatendo entre si.

Che não se omitiu em seu papel de líder revolucionário, dando sua vida pela libertação desses continentes do jugo do império americano, dando um exemplo sem paralelo de solidariedade internacional.

Seu espírito de solidariedade era de um irretocável compromisso, que sobrevive mesmo nos dias de hoje – 35 anos após a sua morte, que ao contrário do que seus detratores e críticos imaginavam, não consegue apagar sua chama.

E segue ameaçando sem cessar o imperialismo internacional, comandados pelos senhores da guerra, Bush e Blair e seus implacáveis aliados políticos e do mercado, ao qual servem como vassalos da indústria de armamentos, mantendo o monopólio belicista e expansionista.

Felizmente surgem novas legiões de jovens visionários, se alimentam desses ideais que Che soube tão bem construir em sua teoria e práxis revolucionárias, contestando o Fórum de Davos, o FMI e as grandes corporações transnacionais que a cada dia promovem mais desigualdades sociais no mundo, com receitas restritivas que impõem perda de direitos duramente conquistados.

O brilhantismo militar de Che como chefe era produto de sua envergadura moral como homem revolucionário. Ele Sabia que fazer a revolução era uma cruel e penosa prova, para ele e os seus comandados. Mas escolheu esta alternativa sem hesitações, sabendo que o preço da submissão ao imperialismo era incomparavelmente maior e permanente.

Che em suas derradeiras palavras ao Vietnam em luta, profetizou que as chamas que ardiam sobre o Vietnam incendiariam a pira funerária de Washington, a qual veio a se concretizar em diversos ataques a alvos americanos em diversos lugares do planeta e, o inesperado, no próprio coração do capitalismo, no World Trade Center, no fatídico e trágico ataque em onze de setembro de 2001.

Para os países socialistas, Che não era somente um símbolo dos deveres da solidariedade internacional, ele representava também uma renovação revolucionária dentro da construção do Socialismo.

Che nunca se conformou com a acomodação e a burocracia rígida do aparelho de estado stalinista, queria ver a revolução, o socialismo real ser implantado em todos os lugares, ficando ao final, isolado pelo próprio poder vigente da União Soviética.

Che tinha pressa, e o sentido de liberdade do socialismo que buscava se chocava com
o modelo pragmático do estado stalinista. Porém nada expressou tão profundamente a liberdade revolucionária como o autêntico conteúdo da construção econômica do cotidiano.

A planificação para ele, não era um mero instrumento e sim que estava ligada de modo indissolúvel à atividade da classe trabalhadora, era a forma necessária para o domínio do homem sobre seu meio. Che, excluía de sua formulação, todo cálculo mecânico de interesses.

Assim, Che realizou o primeiro plano quinquenal de Cuba, em meio a um país sangrado pelos partidários do tirano deposto – Fulgêncio Batista – e a um bloqueio covarde e brutal americano, que se mantém até a presente data.

Che com maestria se fez revelar um economista prático, aplicador da doutrina
marxista de forma peculiar, preparando Cuba para um duro cenário de manter a liberdade conquistada e avançar para o futuro.

Che fincou as bases do desenvolvimento que Cuba experimentou, apesar do implacável
bloqueio imperialista. A Cuba que Che sonhou hoje mostra em todas as áreas o crescimento e desenvolvimento de um povo que optou pelo socialismo: modelo
de educação, saúde e qualidade de vida, que é ímpar em toda a América Latina e é reconhecido pelos organismos internacionais, como a UNESCO, OMS e UNICEF.

Che não foi nunca mais dialeticamente materialista do que em sua insistência
na primazia dos incentivos morais na construção do socialismo. Era lógico que estivera lutando intransigentemente pela liberação da arte e da cultura de todo processo burocrático de estado.

Para nós, marxistas vivendo em países sob o jugo do capitalismo e imperialismo internacional, Che sempre falou com fraternidade e urgência.

Che não era simplesmente – como muitos admitem de forma simplista – um visionário ou sonhador, ele vivia e sentia como poucos o drama cotidiano dos camponeses, projetando em escalada internacional o sofrimento dos povos dominados, ou seja, ele percebia a realidade e mergulhava nela com o objetivo de modificá-la, de transformá-la.

Assim, Che nos legou com “O Socialismo e o Homem em Cuba”, uma análise completa e contemporânea da exploração e da alienação nas atuais sociedades capitalistas.

Ele soube, como poucos, traduzir em ações concretas o conceito de que a luta de classes contra a burguesia imperialista de cada país era uma frente vital.

O que nós, que vivemos nas grandes metrópoles capitalistas, podemos fazer para manter o ideal de Che?

Devemos ousar lançar uma ofensiva com determinação para minar desde dentro, o sistema atroz e desumano que ele lutou por denunciar e destruir desde fora ou na periferia.

A mensagem da vida de Che, e o significado de sua morte são inequívocos: a revolução é possível, porque é necessária em todas as partes.

A mensagem da vida de outros libertadores, com o mesmo emblemático C… de Che, Cristo, Chico Mendes, é chama que não se apaga com a morte anunciada
ou matada severina – parafraseando o nosso poeta João Cabral de Mello Neto.

O ideário revolucionário plantado em curta mas profícua passagem, por essas e outras excepcionais figuras humanas transcende, e encontra sempre o porto seguro
do coração dos homens, especialmente daqueles mais simples, mais oprimidos.

Eles estarão sempre prontos a lançar sem hesitação a corda enlaçada para ancorar o barco da esperança e da liberdade, e nele adentrarem e singrarem mares, enfrentarem tempestades e lutas, e não deixá-lo mais vagar a esmo pelos mares da intolerância, do ódio, da opressão ou da submissão.

Notas de AjAraújo, o poeta humanista, escritas em 2009, em homenagem aos 35 anos de saudades do grande líder revolucionário Ernesto Che Guevara.

Imagem: Alberto Korda ~ Che Guevara com Jean Paul Sarte e Simone de Beauvoir.

Documentos Consultados: Che – Compilação de Textos e Depoimentos, Casa de Las Américas.

Che Guevara, 8 de outubro, 35 anos de uma vida interrompida, de um ideal libertário que se imortaliza.

Imagem histórica: Encontro de duas grandes personalidades libertárias do século XX: Che Guevara e Jean Paul Sartre.

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Por uma rosa de pétalas negras: 50 anos do golpe que atrasou o Brasil.

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Amanhã será um dia de “Bodas de Ouro Negro”!

Amanhã será o dia para nunca se esquecer (não para comemorar)!
De um luto que não quer calar no peito, de um luto que não quer tirar o manto, de um tempo sombrio que ainda paira no ar.
Do odor pútrido dos porões da tortura,
dos corpos que nunca foram “aparecidos”,
pendurados em paus-de-arara, humilhados com choques nos genitais.

Amanhã será o dia para nunca se esquecer (não para comemorar)!
Dos jovens idealistas que “sumiram” do mapa, daqueles que combateram a opressão pagando com a própria vida.
Dos arapongas que eram infiltrados nas universidades, das forças sanguinárias que agiam nas sombras do poder.

Amanhã será o dia para nunca se esquecer (não para comemorar)!
Dos artistas que tiveram suas obras censuradas, dos exilados “hermanos” perseguidos e mortos na Operação Condor.
Dos generais que gostavam mais de cavalos do que de gente, das bombas plantadas e que explodiram na OAB e no Riocentro.

Amanhã será o dia para nunca esquecer (não para comemorar)!
Dos padres e bispos que lutaram pelas liberdades, do destemido Frei Tito que teve a vida tombada.
Do Cardeal Paulo E. Arns que lutou contra a repressão, do terno e firme Dom Helder Câmara que ousou desafiar a ditadura,

Amanhã será o dia para nunca esquecer (não para comemorar!
Da luta de jornalistas comprometidos com as liberdades democráticas, de Vladimir Herzog que teve a morte matada severina,
a morte que foi sustentada como suicídio pelo médico legista da tortura Harry Shibata.

Amanhã será o dia para nunca esquecer
(não para comemorar)!
Da batalha travada por Carlos Lamarca,
à luta de guerrilha no campo, dos homens no Araguaia.
Das lutas armadas de guerrilha na cidade,
à resistência de veículos autênticos de informação, como o Pasquim e o Movimento.

Amanhã será o dia para nunca esquecer
(não para comemorar)!
D jovem Edson Luiz que teve a vida tirada no calabouço, que levou à grande passeata dos cem mil no Rio de Janeiro.
Das mentes que foram torturadas,
às sementes que não foram germinadas.

Por isso amanhã não comemore! Só rememore pra não esquecer jamais
e não permitir nunca mais que os assassinos da liberdade e os asseclas e cúmplices da maldade voltem a tirar os sonhos e a trazer pesadelos para as gerações futuras.

Isso, diga em alto e bom som:
Ditadura Nunca Mais Permitiremos!
Golpe Militar não Passará! Não passará!

É no regime democrático que precisamos aperfeiçoar o exercício da cidadania,

É na democracia representativa e participativa que respeite os direitos básicos, como o de votar e ser votado,

É na democracia sem armação, apelação, corrupção ou traição aos ideais do povo brasileiro que aprenderemos a reconstruir este jovem país,

Esta nação que foi mutilada, massacrada e alienada por longos 21 anos de poder ditatorial que sequestrou, torturou, matou e não deu sequer o direito aos familiares de enterrar as vítimas do regime cruel que aqui se instalou,

Tudo o que ocorreu aqui teve o apoio descarado da CIA e do governo imperialista americano, isto mesmo, do queridinho de todos John F. Kennedy.

Teve o apoio de setores do empresariado – como o sádico dono do grupo Ultragaz Henning Boilesen – que financiou e assistia pessoalmente as sessões de tortura.

Teve o apoio de setores civis do atraso e reacionários – como a TFP do Plínio Oliveira, a mesma que idealizou e realizou a “Marcha pela Família com Deus”,

Teve o apoio explícito de setores da imprensa, como a Folha de São Paulo e de O Globo, além de setores conservadores da igreja que se alinharam aos militares chamando o golpe de “revolução”, uma grande farsa.

O que é irônico, é que estes setores hoje que se digladiam contra uma lei de imprensa, que denunciam a restrição da liberdade de imprensa, foram os primeiros a apoiar exatamente esta restrição.

Por isso amanhã, use tarja preta no jaleco, na camisa, ou gravata preta, roupa preta. Ainda precisamos exorcizar todos estes demônios, que são alimentados por muitos zumbis, filhotes e viúvas(os) saudosos do regime que negam as torturas e atrocidades
e ainda pedem a volta de um estado de exceção que tantas barbaridades cometeu contra seu povo.

O Brasil não precisa de slogans “ir pra frente Brasil, salve a seleção” ou “ame-o ou deixe-o” ou “este é um pais que vai pra frente”. Muitas coisas mudaram a partir dos novos ventos da democracia, isto é inegável!

O Brasil que herdamos dos militares foi um país de obras faraônicas, como as colossais e caríssimas Transamazônica, Ferrovia Norte-Sul, Usinas Nucleares no paraíso de Angra.

O Brasil que herdamos teve um sistema de saúde e educação que foi sendo sucateado e seguindo o caminho traçado por Pinochet no Chile, foi sendo privatizado.

Os governos militares condenaram ao degrado uma nata de cientistas e pesquisadores brilhantes da Fundação Oswaldo Cruz e de outros centros tecnológicos e das universidades.

O país que foi entregue aos civis já padecia de uma grande dívida gerada com os gastos descontrolados dos militares que não tinham tribunal de contas ou a justiça amordaçados para julgá-los.

Depois do falso milagre nos anos 1970, a crise do petróleo, com a alta de preços dos barris, foi levando a desabastecimento e hiperinflação,

A herança maldita dos militares contaminou as polícias civis e militares, as quais combatiam aqueles que lutavam pelas liberdades democráticas como bandidos ou terroristas,

Até hoje esta cultura nociva e seus métodos aprendidos durante a ditadura ainda estão presentes e são praticados nas corporações, principalmente contra os mais pobres e favelados.

Amanhã não se esqueça: se indigne, lamente e ore pelos desaparecidos, cobre a prisão e julgamento dos torturadores, se revolte e ecoe seu grito abafado tanto tempo no peito pelos AI-5 e 477: Ditadura Nunca Mais! Direita Não Volver!

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 30 de março de 2014, lembrando os tenebrosos tempos da ditadura militar no Brasil.

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Os três meninos: um milagre de Natal

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Enfim chegava a esperada noite de Natal no pequeno povoado! Aqueles três meninos observavam a correria daquela gente em festa.O relógio da torre marcava 8 horas da noite, a esta altura, muitas lojas já cerravam as portas. Um vento frio fazia tremer o corpo e doíam os ossos. Recostavam-se uns aos outros na espera do pai que tentava (em vão) comprar algo para a ceia de natal.

Tempos ruins aqueles, o pai estava desempregado e ainda por cima haviam sido despejados e agora dormiam em um trailer abandonado, na beira da estrada, com pouca lenha para aquecer nas longas noites de inverno que se anunciavam.

Um dos meninos, que se chamava Juan, olhava para a algazarra de um garoto típico da cidade, escolhendo os presentes mais caros e bonitos que jamais vira, deixava-se levar pelo pensamento, sonhando também tocar aquele presente, momentaneamente parecia-lhe viver aquela cena.

Um de seus irmãos, Rodrigo, parecia ter o olhar perdido na multidão, nada dizia ou gesticulava, apenas contemplava em silêncio uma noite que nada prometia de diferente de outras tantas vividas.

O terceiro e mais velho dos irmãos, José, preocupava-se em observar o pai, que em longa confabulação, tentava convencer o dono do armazém a lhe vender algo fiado. Em desespero, o pai apontava para os filhos no frio, ao relento, como última cartada para obter algo para levar para casa.

Nada feito. O pai sai cabisbaixo do armazém, mal podia divisar os olhares de seus filhos, não cabia em si de abatimento e revolta. O que diria aos seus filhos? O que restaria a Maria para aprontar para esta noite, logo na ceia de natal.

Quando subitamente, ao atravessar a rua, vê uma criança desprender-se das mãos de sua mãe e postar-se indefesa em frente a um bonde em velocidade.

Trêmula, o medo a impedia de movimentar-se. O pai dos meninos pobres se lança como uma flecha e consegue tirar a menina da frente do bonde, mas o destino cruel lhe reservou uma peça, uma de suas pernas ficou presa nas rodas da composição.

Os meninos correram ao pai e todos os passageiros do bonde e os passantes em solidariedade àquele corajoso homem conseguiram libertá-lo das ferragens do bonde e levaram-no a um hospital.

Enquanto recebia os primeiros socorros no pronto-socorro, aquele homem pobre não imaginava o alcance de sua façanha.

A criança salva por ironia do destino era nada mais nada menos que a neta do dono do armazém que lhe negara tão pouca coisa que pedira: lenha, pão e lentilha, para aquecer e saciar a fome dos filhos.

No entanto, as notícias não eram animadoras, os médicos constataram que aquele gesto generoso expondo a sua própria vida, estava prestes a custar à perda da perna do pobre senhor Natanael.

A equipe médica resolveu aguardar até que o dia raiasse para tomar a decisão de amputar, que até aquele momento parecia a mais sensata, por mais dolorosa que fosse com aquele herói anônimo.
Então, eis que subitamente, surge uma senhora de alvos cabelos e tez macia e se ofereceu para prestar ajuda ao pobre pai.

Ninguém no povoado a conhecia, mas impressionavam os seus gestos delicados, a sua voz terna e o olhar caridoso.
Durante sete dias cuidou dos ferimentos, da ameaça de gangrena e o pai já começava a mexer os dedos dos pés, quando ao acordar na véspera do novo ano, ao chamar por tão especial senhora, apenas ouviu de seu filho mais velho:

“Pai, quem cuidou de você foi Nossa Senhora. Ela já se foi, pois você está melhor. Ela disse que quem a chamou foi a Clarissa, aquela garotinha que o senhor salvou”.

Enquanto o filho prosseguia, o pai cobriu a face com lágrimas, tomado de profunda emoção:

Então, José enxugando as lágrimas do pai – que raras vezes vira chorar – seguiu contando:

“Nossa Senhora me disse em sonho para o senhor orar, não entrar em desespero, pois na vida temos provações que são desafios para que mostremos o quanto somos determinados para enfrentá-los com serenidade, fé e determinação”.

José era um menino muito admirado por ser muito religioso e aplicado nos estudos, e também ajudar aos irmãos e aos pais nas tarefas domésticas. Há poucos meses, o Padre Emanuel o havia promovido a coroinha na paróquia local, motivo de muito orgulho para sua família pobre.

Ao deixar o Hospital, apoiado sobre muletas, com a ajuda dos filhos, o pai veria uma cena que marcaria profundamente a vida daquelas pessoas do pequeno povoado.

Eis que, de repente, todas as luzes da cidade se apagaram e toda a gente da cidade viu um asteroide riscar o céu em belíssima luminosidade, ao ponto de alguns imaginarem ser a própria estrela de Belém em visita fortuita àquela comunidade.

Um facho de luz, como um grande farol em alto mar, iluminou os corpos daqueles meninos franzinos e de seu pai herói. E foi assim durante todo o trajeto até o seu humilde casebre improvisado no velho trailer.

Enquanto caminhava, todas as pessoas corriam para ajudá-lo, ofereciam suas casas para a ceia daquela pobre família e brinquedos e roupas para seus filhos.

Um milagre havia acontecido naquela cidade. Um milagre no espírito do Natal.

Quando o desprendimento, a generosidade e a solidariedade andam juntas, todo bem é possível. Aquele pobre senhor bem poderia ser Jesus Cristo e as crianças famintas, os jovens pastores em sua cabana.

Um conto de natal, um conto de solidariedade, homenajeando Charles Dickens. por AjAraújo, em 14/12/2003.
Conto premiado com o primeiro lugar na categoria poesia no Concurso de Contos e Haicais no 31º Concurso Literário Yoshio Takemoto, de 2013.Imagem pelo fotógrafo Jean Lopes, feita para este conto publicado em o Potiguar.

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Um conto de dor e neve

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Da janela de uma casa ornada em momento preparatório para a ceia de Natal.
– O que aquela mulher e crianças estão fazendo?
– Ah, é provável que esteja louca, onde já se viu uma coisa dessas: catar flocos de neve nos pratos…
– Mas olha só a alegria deles (diz a vovó, extasiada com a cena)
– O avô (ranzinza para variar), patriarca da família, diz logo, melhor fechar essas cortinas, não quero estragar a nossa ceia com esta cena patética.
– Uma das crianças, Isaac que está em remissão de leucemia, afasta um pouco as cortinas fechadas por ordem do avô, bate na madeira, uma das pequenas crianças vê e olha sorrindo para ele.
– Isaac não atende aos inúmeros chamados do avô bastante zangado que dizia “com essa gente pestilenta não se mistura, ainda mais você com esta leucemia”.
– Mas, o pequeno Isaac faz ouvidos de mercador, dá um sinal de me espera, apanha seu saquinho de brinquedos, chocolates e outras guloseimas e alguns cachecóis que insistem que use, arranca para a porta abre e em disparada vai para a rua.
– Ficam todos em polvorosa, o que este menino foi fazer lá fora? No mínimo vai pegar uma pneumonia e ainda por cima estragar nosso Natal, diz a inconformada mãe Ivana.
– O que está fazendo Josef, vá logo lá fora buscar esse menino, o tempo está muito ruim.
– Enquanto isso, Isaac se abraça com as três crianças, lhes entrega o muito que tinha, e recebe do pouco ou quase nada que eles possuíam, um forte abraço e o aconchego de ser humano que lhe faltava – ele era sempre o coitadinho, tinha que usar sempre máscara, os abraços eram raros, sempre meticulosamente traçados.
– Isaac lhes pergunta os nomes e eles se chamam Juan, Guadalupe e Ramon, e a mãe Sara, são de uma família sem teto de latinos, despejados após o pai morrer de câncer há um mês apenas, sem renda para bancar o aluguel do trailer, o dono não teve dó, eles estão nas ruas há 5 dias.
– Isaac pede também um prato e também começa a coletar os flocos de neves que parecem coloridos como guloseimas e todos fazem círculos cantando aquele momento mágico.
– Isaac perguntou a Ramon o que significava aquela neve colhida nos pratos, ele disse que era um sonho que teve, pois, a neve era o alimento que o nosso papai nos enviava dos céus para que sempre estivéssemos juntos, e que deixássemos a tristeza de lado, e fizéssemos o Natal como o menino Jesus que ao nascer não teve uma casa que o acolhesse junto a Maria e José.
– O pai em vão tentou chegar até eles, no afã de interromper aquele “baile de neve”, não teve o cuidado para atravessar a neve e teve um tombo espetacular que levou todos aos risos inicialmente pela trapalhada e depois suscitou preocupações, pois não conseguia se levantar.
A família interrompeu a ceia e foi socorrer Josef que não conseguia mexer as pernas havia batido fortemente com a coluna cervical em uma pedra do jardim em frente à casa…
As crianças da família de Sara tomaram Isaac – que estava estático com a cena – pelas mãos e se dirigiram a seu pai…
O que aconteceu então era inimaginável…
Enquanto chamavam o socorro para Josef, as crianças de Sara, chamaram os irmãos de Isaac que eram Mary e John e juntos cada qual foi, orientado por Ramon, a segurar cada braço e perna de Josef.
Bem, e se ele havia tido traumatismo cervical, o que era provável, o que fazer? Ramón fez uma oração circundando com as mãos o pescoço dolorido de Josef que olhava incrédulo…
Então Ramon pediu a Josef que movimentasse os dedos dos pés, depois das mãos, os joelhos, o que ele fez bastante temoroso…
Depois Ramon lhe pediu que olhasse para o céu abrisse bem os lábios e recebesse “a neve da cura”, ele fez isso, ante os olhares de todos os familiares e do avô que somente balançava a cabeça e olhava para o relógio torcendo que logo chegasse a ambulância.
– Finalmente chega a ambulância, faz os procedimentos de imobilização de praxe, leva Josef, Ramon e Isaac insistem em acompanhá-lo.
Qual não foi a surpresa da equipe médica após a tomografia e ressonância, havia sinais de uma fratura das vértebras cervicais C2 e C3, e com um estranho calo de cicatrização que protegia a medula cervical ainda abalada, com discreta inflamação em volta. Mas este calo demoraria dias, semanas, meses para se formar, era como se algo tivesse “acelerado” o processo, liberando a medula encarcerada, mas não rompida, e ossificando em tempo recorde aquelas vértebras tão fragilizadas após a queda.
A equipe médica olhou perplexa, repetiu os exames neurológicos, e Josef já sentia todos os movimentos, embora ainda sem a força necessária para deambular sozinho.
Um dos médicos foi lá fora e colocou os braços sobre os ombros das crianças e disse que “o papai milagrosamente” escapou, ele poderá andar com auxílio de muletas e terá que ficar em observação por 24 horas.
Disse mais, “como ele insiste muito” poderá ir para a casa cear com vocês, mas qualquer coisa nos avisem e amanhã precisará vir ao hospital para ser avaliado, e também precisará usar este colar cervical para proteger a medula.
– Isaac com os olhos descerrando lágrimas se abraça ao médico neurologista Thomé e ao menino Ramon.
O médico pede que esperem e traz uma bela caixa de bombons para cada um, e Ramon lhe diz, mas doutor são seus, foram presente que lhe deram?
– O médico lhe diz, vocês são o maior presente deste Natal, este homem foi curado, e isso não foi obra nossa, foi de vocês, essa energia de vocês é muito forte, não consigo explicar, diz emocionado e aos prantos.
Josef chega em casa, estavam todos à porta, o avô se apressa a pedir para prepararem um prato para cada uma das crianças de Sara.

– Então o próprio Josef lhe repreende e diz, “papai, eles são nossos convidados especiais, são os anjos enviados por nosso Senhor para abençoar a nossa ceia de Natal, quero que eles se sentem aqui conosco, Isaac nos deu uma lição de grandeza, humildade, solidariedade e amor hoje, e o que Ramon fez foi de uma grande generosidade, ele que havia perdido o pai há tão pouco tempo”. Ramon havia lhe contado sua história no caminho de volta para casa.
– Sara fez a oração de Natal, todos sentaram-se a mesa e perceberam uma forte luz irradiar por entre as cortinas ainda entrecerradas, foi a avó se dirigiu para abri-las e disse: é hora de receber o Deus de amor em nossas vidas e em nossos corações, quero primeiro chamar a Ramon e a Isaac para me ajudar na entrega dos presentes.
Ao anoitecer, após muitas cantigas de Sara e das crianças que não conheciam, abrigaram aquela família despojada de tudo no sótão aquecido da casa, e de nada adiantaram os argumentos, Isaac quis e foi dormir com eles.
Foi o último Natal de Isaac, e ele havia dito para todos que havia sido o mais feliz de todos, uma semana depois teve uma recaída e não suportou dessa vez. Em sua última noite pediu a sua mãe que levasse Ramon para ficar com ela e Josef. Os pais atenderam seu pedido, no último soluçar, pediu que abrissem as cortinas e olhou para a neve caindo e disse: Ramon quando brincar com seus irmãos separe um pratinho deixe a neve cair, eu virei em flocos para brincar com vocês. Papai…
– Diga meu filho, falou com a voz embargada Josef.
Ampare Ramon e seus irmãos, ofereça um trabalho para Sara, e chame ela para o coral da nossa Igreja.

O pai acenou que sim, os dedos de Isaac foram perdendo força e se soltando das mãos de Josef, sua mãe e do amigo Ramon, esboçou um último sorriso e disse nos veremos na neve Ramon, no próximo Natal, agora vou dormir…

AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 3 de novembro de 2016.

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